É difícil começar essa "carta".
Passei décadas sofrendo com o fato de meu pai ter
desistido de viver desde de quando ele sofreu uma injustiça no trabalho.
Quando ele parou de trabalhar as coisas ficaram
muito complicadas... Ele, meio que, abandonou o emprego por conta do que aconteceu.
Recebeu uma “gratificação” e comprou um ponto comercial – Um aviário.
Como meu pai era muito honesto e inexperiente, o
estabelecimento não se bancava e passamos um período em que só comíamos
frango...
Ele precisou entregar o ponto, porque não conseguiu
continuar... neste ponto, a empresa onde ele trabalhava voltou a contratar ele,
mas em condições bem inferiores ao que ele tinha antes. Ele tinha vínculo ainda
com a empresa pelas tretas, questões de processos na justiça, pois ele assinava
como sócio, antes da treta. Teve um período em que eu trabalhei por lá também e
tive a infeliz oportunidade de vê-lo assinando documentos sem ler!! Eu
interrompi ele na frente de todos e questionei..., mas ele resmungou algo, que
não me lembro e continuou assinando, sem ler e sem saber o que ele assinava ...
isso explicou porque ele estava tão enrolado e atrelado a empresa... no início
foi por confiar, depois foi pela desistência mesmo...
Meu pai era bom em tudo que ele fazia. Algumas
pessoas diziam que ele poderia trabalhar por conta própria... num tempo que não
existia o “marido de aluguel” ... ele poderia ter iniciado isso ..., mas nunca
se abriu para o novo. Ele só fazia serviços para irmãos e pessoas muito
próximas... ele não cobrava, as pessoas davam o que quisessem para ele...
Meu pai era muito minucioso e preocupado com
segurança. Ele tinha curso técnico de eletricista, de fotografia, não concluiu
o segundo grau, pq não gostava de estudar, mas era muito inteligente, tinha
muito conhecimento...
O fato é que passei pouco mais de 20 anos o vendo
desanimado, isolado e omisso consigo mesmo. Reclamava de tudo, que nada dava
certo para ele... reforçado ela falta de visão da minha mãe, que reforçava as
coisas negativas dele.
Tentei diversas vezes conversar, convencer..., mas
não adiantava.
Eu sofria muito vendo ele sem expectativas e sem
esperança... fui amparada diversas vezes pelos amigos, por ficar extremamente deprimida
com meu inconformismo e desconforto vendo ele se matando aos poucos, fumava
muito, era o vício dele. Fora isso, não bebia, não saia sozinho, era 100% para
família.
Desde criança tinha meu pai como herói..., na
escola eu sempre colocava ele, como sendo meu ídolo, não era artista, cantor,
nada... era sempre ele. Eu amava a assinatura dele, e só deixava ele assinar
qualquer coisa que precisasse de assinatura dos pais.
Passei tantos anos focada em meu pai que me perdi
de mim, de sonhos e futuro..., mas eu não enxergava isso... Eu tinha como “meta”
ajuda-lo, não sabia como e não tinha mesmo como...
Os anos passavam, iludida com o conceito distorcido
de amor e relacionamento, eu cometi muitos erros... em busca do homem ideal...
que tinha que ser como meu pai... enfim... foi dando tudo errado...
Meu pai cuidava de mim quando eu consegui sair da
casa dos meus pais, ele sempre ia em minha casa e me dava assistência nas
coisas do lar... se eu passava mal, era com ele que eu ia p hospital, injeção
ele tinha que ir comigo...
Eu comecei a me sentir um peso p ele... como um pai
que tinha que me ajudar pq eu não dei conta de casar ...
Meu último endereço foi um pouco mais distante dos
meus pais, e ele ficou muito contrariado. Mas eu precisava me afastar um pouco,
pq eu sabia que em algum momento ele ia faltar e eu não daria conta disso... O
afastamento era necessário para aprender, me acostumar com a ausência dele... e
foi um sentimento que Deus plantou em mim, pq realmente estava perto dele
partir... Nesse momento eu estava tentando desistir de “ajuda-lo”, a última vez
que me lembro eu cheguei a correr atrás de uma consulta para ele, estava
empenhada e de repente eu parei e falei p mim mesmo “chega” ... ele não vai, eu
estou perdendo tempo, ele não quer... preciso desistir disso... e foi o q fiz.
E ainda chorava muito com isso... sempre que eu estava com ele eu acabava
falando algo e insistindo que ele precisava procurar ajuda (estava afundado na
depressão e tinha crises de ansiedade com frequência). Sobretudo pq eu estava
fazendo tratamento e senti a DIFERENÇA da minha mente, antes e depois de
estabilizar com os remédios.
Quase 3 anos de sua partida, eu venho buscando a
bem mais, uns 5 anos quase, por autoconhecimento e amadurecimento, sem
conseguir estabilizar financeiramente, encontrar um amor “disponível”, uma
saúde decente, poder desmamar os remédios, fazer terapia... sempre patinando,
nunca concluindo quase nada que inicio, procrastinando muito, desanimada,
frustrada. Em conflito constante comigo mesmo. Um “isolamento social” de mais
de 6 anos... com essa rotina corrida de amigos, e sem ter “história” boa p
contar vou evitando contato e seguindo isolada...
Início deste ano – 2024, tive a oportunidade de
entrar em uma comunidade, uma tribo que trabalha todos os campos de nossa
vida..., com ele me dei conta que: EU ESTOU INDISPONÍVEL, eu estou casada com
meu pai AINDA. E hoje – 25-08-2024, eu me divorcio dele, eu me perdoo por ter
perdido tanto tampo com perfil controlador narcisista, achando que eu tinha a
solução para ele, que eu ia resolver a vida dele, eu perdoo meu pai por ter desistido
de si mesmo, reconheço que ele fez suas escolhas e eu não tenho outra opção que
não de respeitar isso, entender isso e aceitar isso. Perdoo minha mãe, que fez
o que fazia pq era como ela sabia lidar com tudo que vivia..., assumo meu papel
de filha e reconheço que meu pai foi feliz enquanto se permitiu a isso... viveu
e amou muito, sua esposa, seus filhos e irmãos, estando sempre disponível para
nós, mas, por escolha dele, indisponível para si. Sigo buscando a cura pra tudo isso, aprendendo
com seus erros, os erros da mãe e tirando o melhor de ambos para dar continuidade
a minha vida, que agora é de uma mulher disponível e com vontade de sonhar, os
meus sonhos e trilhar a minha estrada... Quase 30 anos, de imprudência e
negligencia comigo mesmo, reproduzindo os passos de meu pai. Mas isso acaba em mim e não acabará comigo.
Choro o choro da quebra das correntes que já marcam
demais minha alma... Certa de que Deus está no controle e tem um propósito para
mim, que a partir de então estarei cada vez mais silenciosa e em oração para
escutar sua voz e suas orientações.
Pai você nunca vai deixar de ser especial para mim.
Serei sempre grata por tudo que fez por mim.
Eu decido me cuidar, me dar atenção e me amar o
suficiente para me erguer e construir um futuro muito melhor para mim. Eu
decido estar livre para ser a escolha de alguém.
Eu decido sair do modo “sobrevivência” e entrar no
modo “viver”!
Monica Nunes, em 25-08-2024, 16:34h